14.6.08

AOTEAROA

Assim que cheguei na Nova Zelândia me fiz uma pergunta despretensiosa: “Estou preparado para os melhores dias de minha vida?”. Isso me pareceu um aviso intuicional de que, cedo ou tarde, me daria bem em Aotearoa, Terra da Grande Nuvem Branca, em maori. Um dos primeiros amigos que fiz, Doug, um neozelandês de mais de 60 anos, me disse quando nos despedimos numa estação de trem: “-Nosso país precisa muito de pessoas boas.” O que tenho aprendido se relaciona com a lei universal de ação e reação.
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Existem lugares pelo mundo abençoados por sua terra e outros pelo seu povo. Raras exceções os que tiveram a sorte de ter os dois. A Nova Zelândia foi infeliz pelas proporções de seu território. Embora rico, fértil e de indescrítivel beleza, resume-se a duas ilhas que juntas medem 270.500m2, menor que o Japão e pouca coisa maior que o estado de São Paulo. Seus 4 milhões de habitantes transformaram este lugar numa próspera nação e sua sorte, creio eu, veio pelo quesito humano.
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Sabe aquele cara que você conhece, se é que conhece, que trata bem todo mundo, paga suas contas em dia, não fura filas, corta a grama do jardim e ainda passeia com os filhos no fim de semana? Esse é mais ou menos o perfil do cidadão kiwi, como é chamado o nativo, que tem muito orgulho de suas tradições, como a tosa do carneiro, o filé de peixe com fritas, o rugby e os esportes radicais, como o montanhismo. Edmund Hillary, kiwi que foi o primeiro ocidental a alcançar o cume do Everest, em 1953, junto com o nepalês Tenzing Norgay, é homenageado na nota de 5 dólares.
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A sensação nacional é a seleção de rugby, os All Blacks, que são praticamente imbatíveis. Talvez pelo Haka, ritual que realizam antes das partidas e que realmente assusta qualquer um que já foi criança. Ao invés de campos de futebol aqui encontram-se gramados com enormes traves em forma de Y, mas o esporte brasileiro vem se popularizando e os mais novos estão substituindo a bola oval pela redonda. Agora, se por acaso o Brasil resolvesse jogar rugby, no mínimo daria muito trabalho no começo. Contudo, eles são insistentes e sonham em breve participar de uma copa do mundo.
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Fico impressionado com a relativa igualdade social que existe neste país. Obviamente existem os que andam com os modernos carrões e os que transitam em jamantas enferrujadas. Agora, se este último resolve colocar um modelo novo na garagem, tem plenas condições. Além disso, parece-me que muita coisa é mais coerente. Caso você esteja andando sem cinto de segurança no banco do passageiro, quem leva a multa é você, não o motorista. É expressamente proibido o consumo de bebidas alcoolicas nas ruas, sendo este ato punido com multa. Pode-se apenas beber nos bares autorizados e em sua própria casa. A primeira vista, estranho, mas pensando bem, isto não evitaria algumas situações embaraçosas no Brasil? Punição com multa também para quem urina em via pública e para quem anda de bicicleta sem capacete. Em última análise, não se trata pura e simplesmente de privação de liberdade e sim de tentar equalizar problemas.
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Acredito que o cidadão brasileiro insiste em pensar que por si só não faz diferença no futuro da nação, que não adianta fazer sua parte para transformar hábitos que herdamos de séculos atrás, como se uma árvore achasse que não fosse capaz de formar uma floresta. Vejo no povo neozelandês um exemplo de como organizar uma sociedade igualitária pensando no coletivo. Quando cada um usufrui de seus deveres, garante seus direitos e ajuda a construir. O que tenho aprendido é sobre integridade e dedicação. A ação é ser uma pessoa boa, como Doug falou, no sentido de uma atitude ativa e altruísta. A reação: talvez os melhores dias de sua vida.