12.6.08

De Porto Velho a Manaus pelo Rio Madeira


Vento forte e neblina densa. Frio e um infinito silêncio. A vontade sempre era de permanecer na rede, aquecido, contemplando. Assim iniciavam os dias a bordo do Dois Irmãos, barco que usamos para descer quase toda a extensão do Rio Madeira, desde a cidade de Porto Velho até sua foz, no Rio Amazonas, já próximo de Manaus, em três dias.
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Fomos acompanhados de muita gente, em torno de 150, entre elas muitas crianças, com as quais nos divertíamos, além de tomates e laranjas, que preenchiam o primeiro andar do barco. O tratamento à bordo cabia ao Seu Wilson, responsável pelo bom funcionamento do barco. Distribuía o café (às 7 horas em ponto), o almoço e a janta, sempre com seu apito, fazendo muito barulho para nos acordar e chamar todos à mesa. Também era ele que realiza a limpeza do barco, dos banheiros ao chão do convés.
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Assim que passava o frio da manhã, o céu abria e começava a esquentar. Entretiamo-nos com livros e música, além das conversas com nossos companheiros de viagem. Cada um deles levava uma história. Desde Seu Raimundo, que saiu de Boa Vista/RR e foi até Paranavaí/PR, passando por Manaus, Belém, Feira de Santana, Salvador, São Paulo e Curitiba, tudo em menos de um mês. Como também Jorge, um músico lunático que deixou sua terra, Manaus, na década de 80, para aventurar-se por São Paulo e Rio de Janeiro, atrás de fama e fortuna. Agora volta, com o violão e uma sacola, desiludido e confuso, para reencontrar a família e os amigos que não vê há 25 anos.
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Outro fato interessante é a criatividade usada para batizar as crianças, vejam só: Herlon, Elaise e Heidy (três irmãos que estavam com o pai e que levavam junto dez pintinhos numa caixa); Cidele e Querolin (irmãs, esta última prefere ser chamada de Keyziane); Lierdison (o pai é caminhoneiro, estava com a mãe, que já conhece todas a capitais do país); Diurliane (mas que é chamada de Juliane); todas muito lindas e animadas, cheias de histórias engraçadas.
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Após o almoço, normalmente podíamos desfrutar o calor do sol com a brisa fresca que fazia, indo até o último andar, onde tinha apenas um bar e três alto-falantes enormes que tocavam Calypso praticamente o tempo todo, num volume pra lá de irritante. A chuva caia na parte da tarde, o que não nos impedia de curtir o pôr-do-sol, formando um espetáculo incrível com a mata e o caudaloso Rio Madeira.
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A sensação, ao adentrar a Floresta Amazônica, é a de que um tesouro estivesse sendo revelado. Tamanha exuberância e perfeição são dignas de conservação. O risco que corremos é de desperdiçar um fenômeno natural tão expressivo que sua revitalização seja impossível num espaço de tempo relativo à existência humana. Preservar é necessário. Para as pessoas que vivem na floresta e que estão substituindo seus valores pelo modo de viver industrial de consumo, o rio muitas vezes não passa de uma enorme lixeira, já que atiram tudo nele, incluindo o lixo do banheiro, que Seu Wilson joga toda vez que os limpa, duas vezes por dia.
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A noite cai e o silêncio inabalável da floresta só é quebrado pelo ecoar do som amplificado da Banda Calypso. Chegamos em Manaus perto da meia-noite, aportamos e dormimos mais uma noite no barco até que pudessemos descer e conhecer a cidade. Por aqui permaneceremos pelo menos duas semanas.