12.6.08

Aonde o vento faz a curva... RN!

Parece que agora a viagem começou pra valer. Pelo simples fato de estar só, as coisas funcionam de uma maneira completamente diferente. Mais aberto às pessoas, mais livre para poder fazer as decisões e viajar simplesmente no meu próprio tempo, além de poder ouvir melhor minha voz interior.
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Logo que sai de Canoa Quebrada, vi que a estrada que ia até Mossoró era esburacada e praticamente sem acostamento. Além disso, precisava ganhar um tempo no meu cronograma e resolvi logo pegar uma carona. Em não mais que quinze minutos consegui uma no posto da Polícia Rodoviária. Assim que entrei na cabine, o rádio tocava uma canção que falava assim: "Tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo." E nada mais.
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Me enchi de entusiasmo e de certezas. Embora as coisas não estivessem muita certas, sabia que era uma fase e que logo tudo se transformaria. Tudo vai dar certo. Esse pensamento é capaz de milagres. Em Mossoró estendi pela mesma rodovia até Natal. Por todos os percalços que estava passsando, perdi um pouco o entusiamo pra pedalar, me sentia pesado e angustiado. A escolha foi muito boa. Natal representou uma renovação no meu astral, pelas pessoas que conheci, pelo lugar que fiquei e pela vontade que eu sentia de mudar a situação.
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Natal é uma cidade muito bonita. Me pareceu organizada e o povo receptivo, embora tenha ficado por lá só cinco noites. Tempo de reconstruir-me e juntar forças para seguir viagem. Fiquei hospedado no Albergue da Costa, na Ponta Negra, creio que o melhor bairro pra ficar em Natal, bem localizado e tranquilo. A praia é pertinho (mas eu já estava enjoado de praia) e tem um belo visual do Morro do Careca, cartão postal da cidade.
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Há várias opções nos arredores de Natal: Genipabu, Maracajaú, Cabo de São Roque, entre outras opções ao norte. Pelo fato da viagem ter se prolongado muito, neste instante foi necessário cortar o litoral norte do estado. A região de Touros, São Miguel do Gostoso e Caiçara do Norte ficará para uma próxima, pois tenho certeza que é uma região muito linda. Mas desta vez, sei que não poderei ver tudo.
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As baterias estavam recarregadas. Mudei muita coisa nos meus planos e, principalmente, minha atitude interior. Percebi que tinha que ser otimista. Comecei a pedalada em direção à Pipa. Logo que sai do albergue, o céu fechou sobre mim. Peguei muito vento contra e uma garoa gelada. A primeira idéia que veio à mente foi: "Humm, acho que escolhi um mal dia pra sair. Vou voltar e ver se melhora esse tempo." Mas logo em seguida, a outra voz (não, não sou esquizofrênico) logo falou mais alto: "Opa, péra ai, depois da tempestade logo vem a calmaria. Vamos ver o que vai dar." Segui em frente. Não estava fácil seguir. Tinha que ir devagar. Cheguei na primeira cidade na saída de Natal e esperei uns minutinhos até a chuva ficar mais fraca. Quinze minutos depois, a chuva diminuiu. Subi na bike e voltei à pedalada.
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A distância que separa Natal de Pipa é formada por maravilhosas praias, de todos os tipos. Cotovelo, Tabatinga, Búzios, Pirangi, Madeiro, entre outras e não necessariamente nesta mesma ordem. Algumas com falésias lindas, outras com barreiras de pedras que formam piscinas, umas com boas ondas, algumas boas pra pesca. Em Pirangi ocorre um fenômeno peculiar. Lá está o maior cajueiro do mundo, algo realmente fora do comum. Ele tem mais de 8.000 m2. É um absurdo, decorrência de uma mutação genética. Seus frutos alimentam toda a população da cidade por um bom tempo. Fenomenal.
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Para chegar em Tibaú do Sul tive que percorrer um trecho pela areia. Neste instante o céu estava aberto e o astro-rei aquecia meu corpo. Depois de uma balsa já estava a 5km de Pipa. Chegar em Pipa foi incrível. Foi uma provação aquele dia. Um percurso muito gostoso de ser percorrido e com algumas dificuldades, como uma subida pra chegar em Tabatinga e um trecho que tive que empurrar a bike na areia.
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Mais uma chance de fortalecer minha fé. Fé em seguir em frente e fé de que acima de tudo eu estava no lugar certo. Pipa é um encanto. Pude desfrutá-la por quase uma semana. Aproveitei para praticar yôga, o que não fazia há um bom tempo, e remanejar meu percurso. Conheci dois biológos que estudam as tartarugas e os golfinhos que existem na região. Eles são heróis que lutam pela preservação de um tesouro que corre sérios riscos. A especulação imobiliária e as novas construções estão destruindo vários refúgios naturais ao longo da costa brasileira. Há muito investimento, principalmente externo, e muitas vezes as novas obras não respeitam regras e leis que tem como princípio a preservação. Compra-se tudo.
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Lá de Pipa, senti o burburinho do São João que estava começando e, olhando os mapas, decidi encarar um pouco do sertão e ir mais fundo neste redescobrimento do imaginário nordestino. Segui, subindo a serra, para o Parque Estadual da Pedra da Boca, que fica exatamente na divisa entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba, no Planalto da Borborema. Foi um ótimo dia de pedal. Já me senti leve e disposto.
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Esplêndidas formações de granito constrõem um cenário deslumbrante. Prato cheio para os escaladores e montanhistas de plantão. Ótima escolha. Há um refúgio logo embaixo da Pedra da Boca, a casa do seu Tico, o grande guardião do lugar. Conhecedor do ambiente e guia experiente, sem tempo ruim, conversar com ele é uma aula sobre a região. Subi a pedra e, lá em cima, encontrei a paz que preciso para seguir essa jornada.
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Viajar pelo nordeste é como uma prova de múltipla escolha, só que todas as opções, aqui, são corretas.