14.6.08

Kia Ora

Um ano decorrido desde que cheguei com minha bicicleta no Farol da Barra em Salvador, estou sentado num sofá, numa casa de dois andares, num bairro chamado Fernhill, tentando manter-me aquecido, já que a temperatura lá fora está entre –1 e 5 graus. Faz pouco mais de um mês que cheguei a Nova Zelândia.
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Um ano... Um ano que custou a passar. Dediquei-me a tentar de várias maneiras transmitir um pouco do muito que vi pelas andanças no Brasil. Exposição de fotos, edição de vídeo, matéria pra revista, jornal, rádio e TV. Durante esse tempo, o mapa-múndi me apontava diversas possibilidades, mas qual seria a próxima viagem?
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Não sem certa angustia e indefinição que surgiu a hipótese de vir para esta terra distante, minúscula e gelada. Precisei vender minha moto e parcelei a passagem. O que vim fazer aqui? Em primeiro lugar, fui atraído pela exuberante riqueza natural. Embora as duas ilhas que formam este pais sejam pequenas, foram privilegiadas por formações magníficas, de praias a montanhas, lagos e geleiras. Um lugar perfeito para fazer o que mais gosto: pedalar e escalar. Aqui ainda vive pouquíssima gente, em torno de quatro milhões de pessoas e, por ser um pólo turístico, atrai pessoas do mundo inteiro, criando boas oportunidades de emprego. Foi assim que a Nova Zelândia brilhou no mapa.
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Pra chegar aqui tive que atravessar um largo oceano, o da paz. Para tanto fui ate Santiago e de lá passei mais 13 horas voando pra aterrissar na Oceania. O que eu ainda não entendi é porque durante todo o vôo permaneceu completamente escuro do lado de fora. Uma longa e infinita noite, sobrevoando o mar. Veja bem, sai do Brasil no domingo as 16hs, vivi 22 horas contando vôos e conexões e cheguei em Auckland na terça-feira, 7hs da manhã, atordoado e confuso. Ai sim vi o sol.
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Esperava-me um desafio, convencer a imigração das minhas intenções, já que não poderia dizer que vim para trabalhar, pedalar e escalar. Falei somente que vim pra pedalar e escalar, o que convenceu o oficial maori com cara de mau, que carimbou meu passaporte e disse a tão sonhada frase: “Welcome to New Zealand”, que soou como uma musica dos Beatles aos meus ouvidos. Pensei em repetir o gesto de Pelé, mas achei que não pegaria bem, recolhi minha mochila e fui ver o que me esperava do lado de fora.
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Embora eu já tenha viajado até que mais ou menos, foi a primeira vez que encarava o tal do “primeiro mundo”, sempre optei por destinos menos sofisticados. A primeira vista, tudo muito organizado, preservado e desenvolvido. Sem os barracões, os mendigos e as crianças nas ruas que normalmente se vê na Bolívia ou na Índia. Alem da mão inglesa, que inverte o cérebro e que quase me fez ser atropelado por um ônibus. Encontrei o albergue que havia reservado e, como um bom sinal, ele se localizava numa linda praça cheia de plátanos, a mesma árvore que plantei junto com minha mãe na frente da janela de meu quarto em nossa casa em Londrina. Já comecei a perceber como é o neozelandês, em geral muito educado e rígido, gosta das coisas muito certas e respeita as regras. Fanáticos por rugby e beberrões com orgulho. O povo nativo é o maori, que vivem por aqui há muitas gerações e produzem ótimos seguranças de boate, verdadeiros guarda-roupas.
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Optei por rumar em direção ao sul de trem, estilo clássico, sem preocupações e bem contemplativo. De Auckland a Wellington, a viagem de 12 horas atravessou toda a ilha norte passando por diversas paisagens, cenários extasiantes. Conheci um simpático velhinho que se sentou ao meu lado e foi me contando historias pelo caminho, como a da erupção de um vulcão que destruiu totalmente uma cidade na década de 50.
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Na capital administrativa, tive sorte de encontrar um albergue muito alto-astral. Pelos albergues mundo afora têm-se a chance de conhecer pessoas de todos os lugares, trocar experiências, sair para uma balada, comer junto, compartilhar. Fiquei três noites e dali segui para a ilha sul, atravessando o temeroso Estreito de Cook numa balsa durante 2 horas. Pisei em terra firme para tomar outro trem, que seguiria pela costa leste. O auge do percurso foi a passagem por Kaikoura, uma belíssima região de praias onde inúmeras focas ficam sobre as rochas a beira-mar.
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A terceira cidade que conheci, Christchurch, é famosa pela sua belíssima catedral, uma suntuosa construção gótica. Passei duas noites e parti de ônibus rumo às montanhas. Agora sim eu estava vendo o que tanto esperei: as paisagens de tirar o fôlego! Cadeias de montanhas imensas, repletas de neve, com matizes brilhantes e nítidas, além de simplesmente perfeitas. Lagos imensos que formulavam uma oposição entre a verticalidade branca e a horizontalidade azul. O ônibus serpenteava pela estrada e a janela transformou-se num plástico quadro em movimento.

Desci em Queenstown, a capital mundial dos esportes radicais, onde estou sentado num sofá, numa casa de dois andares, num bairro chamado Fernhill, tentando manter-me aquecido, já que a temperatura lá fora esta entre –1 e 5 graus. Faz pouco mais de um mês que cheguei a Nova Zelândia.