12.6.08

A imensidão de um lugar Lençóis



Muita emoção e paisagens únicas na travessia que fizemos dos Lençóis Maranhenses. Saindo de São Luis passamos por vilarejos onde a luz acabou de chegar e, de bicicleta, cruzamos todo este parque nacional.
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A saída de São Luis foi de barco, por São José de Ribamar, de onde pode-se ir para uma infinidade de ilhas e vilarejos distantes. Nosso destino era Areinha, comunidade centrada numa porção descomunal de areia (ah é?) onde precisávamos tomar uma carona de jipe até Travosa, já que pedalar por ali era tarefa impossível: muita areia e diversos trechos alagados.
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Travosa é uma lenda. Cabe aos bem-aventurados e persistentes revelarem os segredos deste lugar pitoresco e descobrir a excentricidade das pessoas que lá moram. Não mais que um punhado de casas compõe o cenário, além das centenas de coqueiros e, claro, muita areia. Esta vila de pescadores sobrevive longe da civilização e é quase inacessível. Porém, está pertinho do mar, motivo de sua existência. Escolhemos uma dessas casas para pedir abrigo, a de Dona Maria de Jesus que, muita disposta, abriu as portas de sua casa e ofereceu seus ganchos de rede. Seu filho Ribamar, um pescador hábil, logo se mostrou um guia e amigo, nos indicou os caminhos do lugar e foi responsável por uma história que contarei já já.
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Numa certa manhã fomos à praia e para isso é necessário andar por uma hora pelas dunas, atravessando as lagoas. Fomos com Ribamar, que nos levou para ver uma palhoça de pescadores na praia e aproveitou para jogar bola com seus amigos. Depois de um tempo, resolvemos voltar sozinhos e encaramos as dunas de volta. Tudo parecia exatamente igual, isto é, não tínhamos noção do caminho a seguir para chegar à vila, já que perdemos a rota das pegadas da ida. Quando acabou a areia entramos num manguezal mas não conseguíamos encontrar uma passagem. Contornamos o mangue e acabamos achando um rio. Sabíamos que não tínhamos atravessado aquele rio na ida mas aproveitamos para relaxar nas suas águas fresquinhas. Não mais que cinco minutos depois, nosso amigo Ribamar conseguiu nos achar. Não só isso, ele sabia exatamente onde tínhamos passado. Ele conhece as pegadas de cada um dos pescadores dali e sabia reconhecer quais eram as nossas!
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Isso mostrou uma relação muito simples e integrada com o ambiente em que ele vive. Um pouco desta relação que temos aprendido. Respeitar os fenômenos naturais e lidar da melhor forma com eles. Para sair de Travosa e ir até Atins tínhamos que percorrer 60 km pela praia. Tivemos que calcular qual o melhor horário do dia para que pegássemos o intervalo entre as duas marés cheias do dia, ou seja, a maré que fosse mais baixa e que deixasse uma faixa mais larga de areia para pedalarmos. No dia que havíamos planejado sair não púdemos pela forte chuva que caiu no dia, nos forçando a rever a tábua de marés e aceitar as condições naturais.
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Partimos às 5 e meia da manhã e tivemos que primeiro fazer a travessia de uma hora das dunas para chegar na praia. Pedalamos 30 km curtindo um visual surreal, de um lado o mar, do outro os Lençóis, alguns pescadores apareciam, mas a sensação sempre era de isolamento. Já esperávamos o grande desafio do dia: o Rio Negro. Sabíamos que a maré estava baixando, mas não sabíamos por quanto tempo. O nível da água estava alto e tínhamos que passar as bicicletas e nossas bagagens. Tentamos em alguns pontos mas sequer alcançavamos o fundo do rio. Procuramos mais e achamos um trecho onde a água batia no pescoço. Tinha que ser naquela hora, a maré começava a subir. Amarramos cordas um no outro e nas bikes no caso de perdermos para a correnteza. Íamos com os braços bem levantados e os pés tateando o fundo de areia. Depois de quatro viagens conseguimos levar tudo para o outro lado. Mas o sufoco não tinha terminado. Faltavam 30 km, a maré tinha subido e o sol estava de rachar.
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Encostamos debaixo da única sombra do caminho todo para descansar e comer. Nosso problema agora era a maré. Não havia mais espaço na praia para pedalar. Tínhamos que esperar a próxima maré baixa, a da noite, para seguir. Perto das 17:30 conseguimos de novo pedalar e aceleramos para aproveitar a luz que se findava. O sol se pôs quando atravessamos outro rio, este mais raso. Agora, no escuro, tínhamos que chegar até Atins. Mas sabíamos que não precisávamos nos preocupar porque a fase da lua era cheia, o que rendeu uma ótima pedalada noturna à beira-mar.
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Lá pelas tantas, depois de umas duas ou três horas, conseguimos avistar uma luz. A luz foi ficando mais próxima e fomos ver o que era. Para nossa surpresa e felicidade geral da nação brasileira tratava-se de uma pousada! Ali, no meio do nada! Não só isso. Por R$5 comemos um PF digno de qualquer caminhoneiro. De banho tomado e barriga cheia dormimos muito bem em nossas redes, ali, naquele paraíso feito de areia e água.
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Para aumentar a magia desta travessia, conhecemos nesta pousada dois ciclistas de Barreirinhas que estavam dando uma volta pelos Lençóis e nos convidaram para ir com eles pelo meio das dunas, passando pelas lagoas e chegando direto ao nosso destino, Atins. Insano! As dunas serviram de pista para nossas bikes. Nas subidas sofríamos um pouco, mas todo esforço era recompensado nas descidas... pura adrenalina! No final chegamos na Lagoa Azul e fomos presenteados pela natureza com um banho em suas águas cristalinas.
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Dias que deixarão saudade.